CASTLEVANIA

Castlevania é uma série animada do diretor Sam Deats, produzida pela Netflix e inspirada na franquia de jogos homônima. 

                A história acompanha o improvável trio de amigos Trevor, Sypha e Alucard, pelo leste europeu tomado pela obscuridade de uma Idade Média repleta de monstros e magias perigosas, em sua jornada para garantir a derrota do terrível Conde Drácula em sua guerra para destruir a humanidade após o assassinato de sua esposa, Lisa.

               Aqui, pretendemos estudar como o mito do vampiro foi modificado através do tempo desde o folclore até as produções audiovisuais mais recentes, fundamentando a análise no arquétipo da sombra estabelecido por Jung e dando destaque para o papel feminino da personagem Carmilla e sua atitude manipuladora como uma resposta ao ódio masculino.

               Carmilla, inspirada pela personagem criada por Sheridan Le Fanu no século XIX, é uma das quatro rainhas que juntas governam a Estíria. Ela atende ao chamado de Drácula para se juntar à guerra pela destruição da humanidade, mas seus planos estão muito além disso. Através de uma série de manipulações, Carmilla causa desconfiança e intriga na corte, conseguindo se tornar uma das principais antagonistas da história em sua jornada por poder e controle sobre vampiros e humanos. 

A origem do mal na vampira Carmilla

        Carmilla é considerada uma lenda mesmo entre os personagens da própria série, tendo se tornado uma antagonista fria, cruel e manipuladora depois de ter sido transformada em vampira pelo rei anterior, que lhe prometeu o mundo, conforme ela relata em um episódio da primeira temporada. Ela narra sua história, revelando ao público uma nova face de seu desenvolvimento, ao associar sua origem ao cansaço de ser tratada como mais um bicho de estimação, ela o matou e tomou seu trono. É aqui que nasce sua amargura e rancor para com os homens, uma resposta ao ódio masculino que sempre a perseguiu desde seus dias como humana, plantando então a semente para o que mais tarde ela se tornaria.

        É dito em diversas histórias que os seres humanos valorizam e apreciam mais a vida porque reconhecem e temem sua finitude. No filme Tróia (2004), o diretor Wolfgang Petersen vai ainda mais além ao dizer através do personagem Aquiles que mesmo os deuses teriam inveja dos efeitos da mortalidade. Carmilla, sendo agora praticamente uma entidade vampiresca e alimentada por seu rancor, se esquece de apreciar o reino e família que construiu, decidida então a tomar para si tudo aquilo que pertence ou já pertenceu aos vampiros soberanos da Europa e construir seu próprio império. Esse é o motivo que a leva a se infiltrar na corte de Drácula e destilar seu veneno, envolvendo lentamente todos que consegue manipular em suas maquinações. 

        Assim, o sofrimento de Carmilla em Castlevania evidencia que ela, além de uma vampira incapaz de encontrar felicidade na existência, é um monstro criado pelo ódio dos homens. Uma mulher ambiciosa como ela, em tal contexto, só poderia alcançar tamanha posição de poder se tornando justamente a vilã da história. Na verdade, a própria personagem admite em certo momento que não sabe se vai conseguir um dia ficar feliz depois de ter conquistado tudo o que quer, mas sua raiva é tamanha que tomar dos homens aquilo que eles construíram seria o bastante. Em contrapartida, muitas figuras masculinas também são responsáveis por massacres puramente por se sentirem no direito de conquistar outros povos e territórios, sem nunca terem sequer alegado serem bons homens. Ainda assim, de Alexandre até Napoleão, a História se lembra deles como grandes homens – existe, então, uma diferença entre bondade e grandeza, mas nenhuma das duas parece uma opção para Carmilla que, no fundo, é uma criatura da noite desesperançosa que se cansou de buscar apoio entre aqueles que sempre a marginalizaram.

«Há séculos, fui transformada por um vampiro-mestre que disse que me daria o mundo. Mas, com o tempo, ele ficou velho, cruel e louco. E eu era ligada a ele. Até decidir pegar meu mundo de volta. Não seria mais controlada por homens velhos e loucos. » (Castlevania, 2017: Temporada 2, Episódio 3).

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Vampiros: temor à vida ou à morte?

            Na história de Castlevania, os personagens vampíricos são indivíduos distintos que possuem diferenças culturais, enfrentam guerras e sofrem por seus sentimentos tal qual o próprio ser humano, mas seu estado de constante solidão perante a eternidade os tornam amargos e carentes de calor. São, portanto, figuras complexas e articuladas, capazes de fazer qualquer coisa para alcançar seus próprios interesses uma vez que já se esqueceram de como era ser humano. Por existirem apenas nas sombras, não se permitem transcender para algo mais.

             Tudo indica que a condição vampiresca equivale ao lado sombrio dos que rejeitam a vida, uma vez que, em todas as histórias de vida dos personagens vampiros, há uma experiência de horror e rejeição às próprias condições. De suas observações empíricas, Jung (2013) nos diz sobre o medo da vida e da morte: «Tenho observado que aqueles que mais temem a vida quando jovens são justamente os que mais têm medo da morte quando envelhecem» (p. 362). A condição das pessoas que têm medo da vida é depressiva ou melancólica e se manifesta como uma não-ação, procrastinação, fuga das responsabilidades etc. Na situação invertida da sombra, se dá uma ação sem fim em busca do sangue doador de vitalidade, para a manutenção de uma existência eterna em um plano sombrio, intermediário entre vida e morte. O vampiro nem vive nem morre, apenas prolonga eternamente sua não aceitação da condição humana sem, todavia, suportar a ideia de fim.

          Talvez, a explosão da narrativa vampiresca na literatura do século XIX e o gosto subsequente por adaptações e criações cinematográficas e audivisuais de novas versões dessas mesmas narrativas esteja relacionado ao desencantamento do mundo e à pulsão mórbida que o acompanha. A atenção e o desenvolvimento da racionalidade científica não diminuem a propensão do humano em alimentar suas fantasias e devaneios com histórias fantásticas e míticas, mas implica em que tais fantasias e devaneios criem mundos cada vez mais relegados aos tirânicos universos sombrios.